Especilistas alertam para uso indiscriminado de medicamentos entre idosos
Como se fosse água com açúcar ou chá de camomila, o paciente pede "o senhor poderia me receitar uma caixa de Vallium? É que meu pai, um senhor muito idoso, só dorme com esse remedinho". O médico, prontamente, prescreve. Longe do consultório, nas rodas de amigos e na família, há sempre quem tenha uma caixa sobressalente para casos de "emergência". A ciranda prossegue e os psiquiatras alertam: são os próprios médicos que recomendam o uso de tranquilizantes. O problema é que eles nem sempre enxergam quando termina a necessidade e começa a dependência.
Pelo menos, 9,7% dos jovens, 19,5% dos maiores de 50 anos e 24% dos idosos maiores de 65 tomam regularmente Lorax, Lexotan, Vallium, Diazepan ou remédio semelhante para diminuir a ansiedade, de acordo com pesquisa conjunta da UNIFESP, UFBA e UFRS. Mais recentemente, um levantamento feito pelo Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID) constatou um aumento do uso desses remédios. Segundo o levantamento, 56% da população acima dos 35 anos já fez uso desse tipo de medicação. Sendo o Diazepan e o Lexotan os mais usados, com um índice de 3,05% e 1,54%, respectivamente.
Desde então, essa situação não mudou muito, na opinião do coordenador da pesquisa e de dois profissionais dos maiores núcleos de estudo sobre drogas no Brasil. Nem a comunidade científica se esforçou para conscientizar os médicos sobre o uso indiscriminado dos remédios tranqüilizantes. Os receituários partem, na grande maioria das vezes, de clínicos gerais, cardiologistas, reumatologistas e outros especialistas. "Muitas vezes, os médicos prescrevem tranquilizantes para acalmar os ânimos e melhorar a saúde física. Só que esquecem de alertar para o risco de dependência do medicamento", diz o psiquiatra e pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas, Jairo Werner.
A origem do problema pode estar na formação do médico, defende a maioria. "As escolas de medicina pouco abordam as questões do psiquismo humano e as drogas", afirma o psiquiatra da UNIFESP, Sérgio Blay, um dos autores da pesquisa sobre os psicotrópicos. Por trás da compulsão pelo remédios, podem estar dores psíquicas, a necessidade de luto, de entendimento das perdas, de orientação familiar, de diálogo. Mas os médicos ignoram tanto as causas latentes quanto a possibilidade de diagnósticos e tratamento dos males psíquicos. "Falta insistir no assunto em programas de educação continuada, congressos, encontros de especialidade", completa Sérgio Blay. "É preciso saber quando termina o papel do médico e quando começa o do psiquiatra", completa Jairo Werner.
As campanhas contra as drogas, na opinião dos psiquiatras, também são equivocadas. Nelas, estimatiza-se a imagem do jovem como viciado, enquanto os tranqüilizantes ou ansiolíticos como objeto de dependência e os idosos - seus principais usuários - sequer são citados. "Acredito que 10% dos dependentes químicos que atendo têm como objeto de vício as drogas legalizadas", afirma Werner. Nos casos mais graves, eles furtam receituários ou mesmo os próprios medicamentos dos hospitais. Nos mais brandos e, portanto, menos detectáveis, os dependentes sofrem a diminuição da capacidade de raciocínio, riscos de tontura e desmaio, perdas de memória e problemas de sono.
Além dos médicos, é preciso alertar a população sobre o uso de medicamentos sem a orientação médica. Muitos são os "amigos" que trocam remédios entre si. "Há uma banalização dos medicamentos, como solução imediata para os males", analisa Jairo Werner. Como explicava o site do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), que pertence à UNIFESP, a população valoriza o poder de cura dos medicamentos legalizados – ainda que existam restrições sobre a compra deles – e subestima as drogas ilegais. Como se as drogas pudessem ser separadas em categorias, boas ou más. Mas, o uso de cada medicamento pode pender para o bem ou para o mal, depende principalmente dos que as receitam e dos seus usuários. "O bom profissional é o que sabe e busca ajustar a dose para cada paciente", afirma José Carlos Galduroz, coordenador do CEBRID.
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